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INDICAÇÃO: a partir de 14 anos (leitor crítico)
112 PÁGINAS
TRECHO
"Morrer deveria ser bem doce para uma pessoa como você. Mas sua
morte é lenta e amarga. Não tenha medo de morrer! Mãe, estou
falando uma coisa ridícula.Não dá para não ter medo. A gente sempre
tem um certo medo de tudo o que desconhece. Pensando bem, a
morte é mais um tempo de inquietude. Uma vez, tive tanto medo, mas
tanto, de ir numa montanha-russa, que não curti nem um pouco. Faz
dezessete anos, mas me lembro bem.Eu em pânico, enquanto minhas
amigas se divertiam. Já de outras vezes, soube aproveitar – com medo
e tudo. Então, acho que dá para curtir, sim, deixar de viver. Apesar do
medo."
“Eu preciso transformar em livro esta dor horrível”, anuncia a narradora, logo no
começo de A gente vai se separar. A sentença tem uma destinatária exata Uma
interlocutora cada vez mais silenciosa, cada vez mais ausente. Alguém que, em
interlocutora cada vez mais silenciosa, cada vez mais ausente. Alguém que, em
breve, vai morrer. Antes do Natal, talvez. Uma pessoa que, na verdade, já
parece “bem mais morta do que quando comecei a escrever”. Que teve, súbito,
um diagnóstico inesperado. Câncer no cérebro. E que, agora, nem sempre se
parece com quem era antes:“Quando eu crescesse, eu teria uma filha, e a tenho
de supetão: ex-mãe. Cadê a minha mãe? Não volta mais.”
Nesta nova obra, Ana Letícia Leal constrói um relato contundente e singular
sobre a trajetória da perda. Um livro que é, ao mesmo tempo, um diário de
preparação para o luto e uma missiva dedicada a alguém que não chegará a
lê-la. Um tratado sobre a dor e a solidão. Uma narrativa sobre o declínio do
corpo e a fragilidade da vida. Mas, também, um elogio à arte de narrar e ao seu
poder de resistência e de reinvenção.
Em fragmentos enumerados como numa contagem regressiva, a autora empresta
sua enorme habilidade literária à construção de um quebra-cabeças tão aflitivo
quanto lírico. Os detalhes do tratamento, a radioterapia e as habilidades perdidas
dia a dia se enovelam às lembranças do esmalte vermelho nos dedos ao
telefone, do apreço à música e à loquacidade, do temperamento forte. Com isso,
a personagem vigorosa do passado vai se imiscuindo na figura da mãe que adoece
— e desaparece —um pouco mais a cada instante.
Um pote de doce de leite compartilhado, os momentos diante da TV, o sanduíche
preparado com esmero, a gata que se aproxima e interrompe a escrita. A gente
vai se separar encara a morte pelo ângulo mais íntimo — e, por isso mesmo, mais desconcertante. Em contraponto, a trajetória de sustos, ambulâncias e internações
é narrada de forma crua e objetiva. Como numa montanha-russa, em que a
literatura é, simultaneamente, tábua de salvação e dose extra de adrenalina. Por
tudo isso, Ana Letícia Leal mostra mais uma vez por que é um dos grandes talentos
da jovem geração de autores brasileiros.
O luto e a perda, temas recorrentes em sua obra, aqui se desenham de forma
traiçoeira, em múltiplas camadas de luz sobre a dor brutal da morte materna.
A ESCRITORA:
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