INDICAÇÃO: a partir de 10 anos (leitor fluente) 32 PÁGINAS
“Existe uma ideia de que a sabedoria mora no universo da escrita, e isso transmite um certo olhar arrogante para o universo da oralidade, como se fosse uma coisa menor, olhado com certa condescendência. No universo da oralidade existe uma filosofia com sua própria lógica. Esse culto que fazemos de uma cultura livresca pode de fato destruir aquilo que é o sentido da cultura e do livro, que é a descoberta da alteridade. O desafio é ensinar a escrita a dialogar com o mundo da oralidade.” MIA COUTO
A editora KAPULANA lança, neste mês de março, o volume 8, da série CONTOS DE MOÇAMBIQUE, com o objetivo de divulgar as histórias de tradição oral moçambicanas em narrativas que desenvolvemos múltiplos universos e memórias da cultura africana. Trata-se do livro “O CAÇADOR DE OSSOS” de CARLOS DOS SANTOS, com ilustrações de EMANUEL LIPANGA. Assim começa a história O CAÇADOR DE OSSOS... "Era uma vez... Uma aldeia distante, entalhada na encosta verdejante duma montanha majestosa, no lado oposto àquele de onde o Sol nascia. Por causa disso, naquela aldeia amanhecia mais tarde do que na floresta pujante que,bem lá embaixo, no sopé da montanha, como uma capulana garrida, a cingia. Todas as manhãs,o Sol tinha que escalar o céu até alcançar o cume da montanha para conseguir, finalmente esticar-se todo e abraçá-la. Então, com a ajuda do vento, soprava a noite e com os raios, como se fossem pincéis, misturava todas as cores que o arco-íris lhe emprestava e devolvia às árvores e às casas, aos caminhos, às pessoas e aos outros animais da aldeia as cores que a noite apagara. E era também naquela aldeia que mais tarde anoitecia. Já a noite se aninhava no colo do vale, ainda na aldeia ecoavam as pegadas esfarrapadas do Sol a esboroar-se por detrás da montanha virtual de algodão tingido, que lá ao fundo do horizonte ardia. Labaredas de fumo sarapintado jorravam então da cratera escancarado do vulcão imaginário que se escondia dentro dela, e escorriam à deriva pelo firmamento desbotado. Até que, por fim, com um derradeiro sopro, o vulcão se extinguia e o fogo se apagava. Só depois daquele prodigioso fogo de artifício sideral é que a noite se abatia sobre a aldeia, ao mesmo tempo que, bem lá em cima, uma outra floresta se acendia e, como um véu de diamantes, a hipnotizava e seduzia. Era nessa aldeia recôndita que vivia o Sinaportar, jovem afamado por todas as cercanias. Dele se dizia que era tão bom caçador que não havia memória de um único dia em que tivesse ido à caça e de lá tivesse voltado de mãos vazias, chovesse a cântaros ou cintilasse o Sol."
O volume 8, da série CONTOS DE MOÇAMBIQUE narra a história de Sinaportar, reconhecido como um grande caçador de sua aldeia. Sua fama era de egoísta e solitáro, pois negava-se a caçar em grupo, sendo acompanhado apenas dos cachorros, que havia herdado do pai, antigo e lendário caçador. Mas Sinaportar guardava um segredo da aldeia: ele não era caçador e dependia totalmente dos cães para as presas. Certo dia, inesperadamente, os cães passam a se negar a caçar. Diante disto, Sinaportar deverá resolver a situação antes que o seu segredo seja revelado. CARLOS DOS SANTOS, retrata, em O CAÇADOR DE OSSOS, a trajetória do crescimento humano com temas que abrem discussões sobre as consequências das mentiras e o individualismo. "Este conto talvez seja a mais importante de todas as lições: que é saber aprender das ações dos outros do que querer ser melhores do que eles."
ILUSTRAÇÕES:
O caçador de ossos, pela forma como se apresenta, é um livro muito original. EMANUEL LIPANGA, que assina as ilustrações, utilizou esculturas Maconde para compor a narrativa visual do livro. A matéria-prima utilizada pelo artista, neste trabalho é uma madeira extraída de uma árvore do continente africano, chamada mpinga, o pau preto, também conhecido como ébano africano ou ébano moçambicano.Para esculpir essa madeira, LIPANGA fez uso de serrotes, catanas, machados e outras ferramentas menores.
NOTA: A ESCULTURA MACONDE É UMA DAS ARTES TRADICIONAIS DO POVO MACONDE (OU MAKONDE), PERTENCENTE AO GRUPO ÉTNICO BANTU DA REGIÂO DE CABO DELGADO, NORDESTE DE MOÇAMBIQUE, E SUDESTE DA TANZÂNIA, NA ÁFRICA. A ESCULTURA MACONDE É UMA DAS ARTES MOÇAMBICANAS DE MAIOR RECONHECIMENTO NACIONAL E INTERNACIONAL POR REPRESENTAR, COM ARTE, OS COSTUMES DE UM POVO ATRAVÉS DOS TEMPOS.
A proposta das ilustrações, sustentada por belas esculturas, resulta em cenas muito interessantes, que contam visualmente a história dos caçadores de ossos de uma maneira muito singular e revelam, a cada página virada, elementos da cultura africana.